quinta-feira, 23 de junho de 2016

Defende Paulo a Justificação Pelas Obras? – Romanos 2:13


“Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados”.

Esta passagem tem sido apresentada pelos legalistas em defesa da salvação pelas obras. Se fosse possível a salvação pela obediência à lei ou prática de boas obras, isto iria contradizer toda a teologia de Paulo. Dentre os escritores bíblicos, ele foi o mais ardoroso defensor da justificação pela fé. A verdade fundamental da sua teologia é esta: o crente não é salvo por praticar boas obras. Ser “justificado por obras” na ideia de Paulo seria a rejeição de Cristo como nosso Salvador. Se o praticar boas obras propiciasse a salvação, Cristo não precisaria ter morrido por nós.

“Paulo afirma que um homem é justificado perante Deus não por realizações, mas por uma fé verdadeira” (Introdução ao Novo Testamento em Inglês Moderno).

Antes da análise propriamente dita desta passagem, seria bom relembrar dois princípios hermenêuticos que mais se aplicam a este caso.

1º) A regra a que Orígenes deu o nome de “Analogia da Fé”. De acordo com este princípio o texto deve ser interpretado através do conjunto das Escrituras, e nunca através de passagens isoladas.

2º) Consultar as passagens paralelas, isto é, aquelas que tratam do mesmo assunto.

A Crítica Textual nos informa que não há nesta passagem nenhum problema de tradução.

A comparação deste verso em algumas traduções nos mostra que o sentido é sempre o mesmo:

“Porque os simples ouvidores da lei não são justificados, mas os que praticam a lei hão de ser justificados”– Almeida Revista e Atualizada no Brasil.

“Porque não são justos diante de Deus os que ouvem a Lei, mas os que obram a Lei hão de ser justificados” – Trinitária.

“Não é pelo ouvir a lei, mas pelo cumpri-la que os homens serão justificados perante Deus” – New English Bible.

“Porque não são os que ouvem a Lei que são justos perante Deus, mas os que cumprem a Lei é que serão justificados”– A Bíblia de Jerusalém.

“Porque Deus não aceita os que somente ouvem a Lei; Ele aceita os que fazem o que a Lei manda” – A Bíblia na Linguagem de Hoje.

Para melhor compreensão deste texto devemos considerar estas duas questões:

1º) O que representava a lei em o NT e neste texto de Paulo para os judeus e gentios.

2º) Está Paulo neste verso defendendo a salvação pelas obras?

A Lei em o Novo Testamento

De acordo com W. E. Vine, no Novo Testamento, nomos – lei é usada como:

a) Lei em geral: Romanos 2:12-13; 3:27; 4:15;

b) Força ou influência impelindo para a ação: Romanos 7:21-23;

c) Lei Mosaica, Lei do Sinai, com artigo definido: Romanos 2:15, 18, 20; Mateus 5:18; Gálatas 3:10; 5:3…

d) Por metonímia, dos livros que contêm a lei.

1) Do Pentateuco: Mateus 5:17; 12:5…

2) Dos Salmos – João 10:34; 15:25…

De tudo isso, pode ser deduzido que a “Lei”, num sentido amplo, foi o título alternativo para “As Escrituras” (Expository Dictionary of New Testament Words).

Pelo contexto vemos Paulo dividindo o mundo em duas classes de pessoas: os judeus com sua lei dada diretamente por Deus e colocada por escrito para que todos pudessem lê-la. Os gentios, sem essa lei escrita, porém, com um conhecimento interno ou instintivo do bem e do mal implantado por Deus em seu coração.

Diante destas duas classes surge a pergunta: Quais os princípios que Deus utilizará no Dia do Juízo?

Charles R. Erdman em seu Comentário de Romanos apresenta a seguinte resposta:

a) Cada pecador será julgado segundo suas obras (vs. 6-11);

b) Cada pecador será julgado conforme a luz que tenha.

Ele prossegue dizendo que no julgamento final a recompensa será de acordo com as obras e não com o que a pessoa professa crer. O julgamento será segundo a luz que cada um recebeu individualmente (v. 11).

William Barclay, em seu Estudo Sobre Romanos, pág. 57, pondera:

“O homem será julgado pelo que tem tido oportunidade de conhecer. Se conhece a Lei, será julgado como quem conhece a lei. Se não conhece a Lei, será julgado como quem não conhece a lei”.

Os judeus descansavam contentes no grande privilégio que tinham de serem conhecedores da lei, mas muitas vezes não viviam de conformidade com o que a lei preceituava. Paulo estava dizendo mais ou menos o seguinte: mais importante do que ouvir, conhecer, é o praticar.

Russell N. Champlin comentando este verso sob a epígrafe: Eles Ouviram a Lei, escreveu:

“1) Eram ensinados a cada sábado.

2) Nos seus lares, eram obrigados a memorizar a lei.

3) Havia escolas especiais que preparavam a elite, os doutores da lei.

4) Israel foi a mais religiosa nação de toda a história.

5) Essa busca era um privilégio, e produziu muito fruto.

6) Porém, a mera instrução não basta, a menos que o coração seja comovido, amenos que a alma seja alterada.

7) Seus “ouvidos” estavam educados, mas em muitos casos os seus “corações” estavam longe da Fonte da sabedoria que lhes era ensinada.

8) Quanto a uma outra passagem que faz o contraste entre os meros “ouvintes” e os “praticantes” da lei, ver Tiago 1:22-25″ (O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, vol. 3, págs. 295-296).

F. F. Bruce, ao comentar este verso no livro Romanos – Introdução e Comentário, pág. 74, declara:

“Talvez Paulo tenha em mente Levíticos 18:5: ‘Portanto, os meus estatutos e os meus juízos guardareis; cumprindo os quais, o homem viverá por eles’, passagem que ele cita depois, em 10:5. O curso seguido por seu argumento indica que, embora o homem fosse justificado se fosse praticante da lei, contudo desde que ninguém a pratica perfeitamente não há justificação desse modo. A antítese entre simplesmente ouvir a lei e praticá-la e desenvolvida em Tiago 1:22-25″.

Russell Norman Champlin, prosseguindo na análise deste verso, considera a expressão “os que praticam a lei hão de ser justificados” da seguinte maneira:

“No que diz respeito à possibilidade que tal coisa possa ser conseguida, por aqueles que observam princípios rituais e legais, a declaração que temos aqui é hipotética; e por detrás da mesma, está o pensamento que isso é simplesmente impossível o que Paulo termina por mostrar no terceiro capítulo de sua epístola. Não obstante, existem aqueles que por fim haverão de praticar perfeitamente todas as exigências da lei, e isso por terem sido aperfeiçoados em Cristo, quando possuirão a plena e perfeita santidade de Deus. Todavia, isso só pode ser conseguido mediante a redenção que há em Cristo, o que é a tese dominante do livro inteiro aos Romanos, e que encontra sua expressão mais alta no oitavo capítulo”.

Do Comentário Bíblico Adventista, merece destaque esta parte:

“Justificados. Ou ‘considerados justos’, ‘declarados justos’. Paulo está ainda contrastando a posição no julgamento daqueles que conhecem a vontade de Deus, e ainda assim são relutantes em obedecer-lhe, com a posição daqueles que não somente conhecem a vontade de Deus mas a ela se submetem totalmente. Que tal obediência pode vir somente através da fé já tem sido mencionado na epístola (cap. 1:5, 17; conf. cap. 3:20). Este verso dá mais ênfase ao fato que os homens são julgados, não pelo que eles alegam saber ou professam ser, mas pelo que realmente fazem (cap. 2:6)”.

Kittel, no Theological Dictionary of the New Testament, ao estudar a palavra nomos (lei), faz a seguinte declaração:

“Desde que a Lei é uma declaração da vontade de Deus, ela orienta o que o homem necessita fazer. Quando Paulo cita a declaração de Levíticos 18:5, a ênfase repousa no verbo poien = fazer… Para Paulo o cumprimento da Lei através do Espírito nos crentes é a real intenção da Lei”.

O objetivo de Paulo é condenar o procedimento daqueles que pensavam que por serem conhecedores da lei podiam alegar justiça diante de Deus. Adverte-os de que necessitam praticar a lei conforme o seu conhecimento. Em outras palavras, orienta os seus leitores para esta verdade: a justificação pela fé não nos desobriga do cumprimento da Lei ou das orientações dadas por Aquele que justifica.

Calvino declarou sobre Romanos 2:13:

“Aqueles que abusam desta passagem para estabelecer a justificação pelas obras são merecedores de que até as crianças zombem deles e os apontem com os dedos”.

Livro: Leia e Compreenda Melhor a Bíblia, de Pedro Apolinário.

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