segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A Parábola do Rico e Lázaro – Lucas 16:19-31



Deus, através do salmista Davi, prometeu conduzir-nos às águas tranquilas. Esta água é a água viva, clara e puríssima, oferecida não somente à mulher samaritana, mas a todos aqueles que com ela desejam saciar-se. Há muitos, porém, que abandonam esta límpida fonte para se abeberarem em cisternas rotas, cujas águas têm sido maculadas por ideias espúrias e pelo ceticismo.

Temos que escolher entre a fonte divina, o imenso lago saudável, a Bíblia, e as águas poluídas por ideias espúrias não defensáveis pelo Santo Livro.

Este trabalho exegético tem como objetivo uma interpretação bíblica da controvertida parábola do Rico e Lázaro, de acordo com os parâmetros divinos, e não com as ideias engendradas em cogitações humanas.

Sendo que o assunto desta parábola é um dos que mais vem à baila pelos defensores da imortalidade da alma, creio ser oportuno entender corretamente o que Cristo nos quis ensinar.

Sendo o ensino por parábolas perfeitamente adaptável à mentalidade do povo judeu, Cristo sabiamente o usou, para transmitir as mais sublimes e eternas verdades de maneira simples e natural.

O que é uma Parábola?

Para a boa compreensão deste assunto é necessário saber o que é e o que não é uma parábola. A palavra parábola provém do vocábulo grego parabolê, que literalmente significa colocar ou atirar ao lado, mas que hoje significa comparação ou ilustração, visando ensinar-nos uma verdade. Em outras palavras, o emprego de circunstâncias comuns do dia-a-dia para ilustrar verdades religiosas.

Laudelino Freire, em seu dicionário, assim a define: “espécie de alegoria que envolve algum preceito de moral”. Notemos bem que, se é uma alegoria, não pode ser real ou literal.

Propósito das Parábolas

Este método foi usado por Jesus porque ele é mais fácil do que outros processos didáticos para fixar na memória uma verdade. Por ser mais eficiente, as mais profundas mensagens religiosas foram expressas em linguagem parabólica.

W. G. C. Murdoch, ex-diretor de nosso Seminário na Andrews University, escreveu no livro A Symposium on Biblical Hermeneutics, pág. 219, o seguinte: “O propósito da parábola é ensinar por comparação, analogia e ilustração. Jesus, o maior professor, empregou este método com grande sucesso. Ele usou parábolas para expor profundas verdades espirituais. Ele contou histórias da vida real para esclarecer os seus ouvintes sobre o verdadeiro significado da vida. Estas apresentavam lições que explicavam os mistérios do seu reino. Jesus não estava preocupado com a proposição de problemas. O propósito fundamental de suas parábolas era conseguir um compromisso dos seus ouvintes para entrarem neste reino. Por isso é que muitas parábolas são uma exposição do valor do reino do Céu. Ele estava mais ansioso para revelar mistérios deste reino do que escondê-los”.

Interpretação de Parábolas

No livro já citado, o Professor Murdoch nos orienta com segurança sobre a interpretação desta figura de estilo:

“Há certos princípios indispensáveis que nos devem guiar na interpretação de parábolas:

1º) Uma parábola geralmente tem um ponto principal e uma mensagem central a transmitir. Muitas vezes se comete injustiça na interpretação da parábola quando introduzimos minúcias estranhas à mensagem central da ilustração.

2º) A parábola deveria ser examinada com uma visão das circunstâncias que determinam sua apresentação. Foi a parábola proferida em resposta a uma pergunta? Se esse é o caso, qual a natureza da pergunta? Quem estava presente quando a parábola foi apresentada?

3º) A parábola deve ser compreendida levando em consideração a sua base histórica, as maneiras, os costumes e a cultura do povo. Por exemplo: se a parábola se refere à agricultura, precisamos compreender a agricultura da época antes de compreendermos completamente a parábola. Ao considerarmos o contexto histórico da parábola, o Velho Testamento e sua terminologia não devem ser negligenciados, pois esta era uma parte real na vida do povo a quem a parábola foi dada.

4º) As parábolas devem ser estudadas em seu contexto, para determinarmos se o significado da parábola tem sido dado.

5º) “Se uma parábola é usada para moldar o pensamento doutrinário, devemos estar certos de que a nossa interpretação está fundamentada estritamente na interpretação dada pelos escritores inspirados.

Veja, por exemplo, a parábola do homem rico e Lázaro, muitas vezes malcompreendida e mal interpretada. Esta história é frequentemente citada para provar o conceito popular da inata imortalidade da alma e dar-nos um lampejo da vida futura. Nessa interpretação, as almas dos bons, supostamente, entram em eterno gozo, ao passo que as dos ímpios, em eterno castigo. Se essa interpretação fosse literal o abismo entre o céu e o inferno é demasiadamente grande para as pessoas atravessarem, porém, suficientemente pequeno para que pudessem conversar através dele. Na realidade, Jesus estava usando aqui um argumento em que Seus ouvintes criam, mas que Ele não endossava” (A Symposium on Biblical Hermeneutics, págs. 220-221).

O Comentário Bíblico Adventista, vol. 5 – “Mateus a João”, págs. 199-200, nos apresenta sete princípios fundamentais na interpretação de parábolas. Dada a sua oportunidade para o assunto em tela, eles também serão aqui transcritos:

“No estudo das parábolas de Jesus é muito importante seguir princípios corretos de interpretação. Estes princípios podem ser brevemente sumariados como seguem:

1º) Uma parábola é um espelho pelo qual a verdade pode ser vista; mas não é a própria verdade.

2º) O contexto no qual é dada a parábola – o lugar, as circunstâncias, as pessoas diante de quem ela foi proferida, e o problema em discussão – deve ser considerado e utilizado como chave para a interpretação.

3º) A própria introdução e a conclusão de Cristo à parábola, de modo geral, deixam claro o seu propósito fundamental.

4º) Cada parábola ilustra um aspecto fundamental de uma verdade espiritual. Os pormenores de uma parábola são significativos apenas como contribuição para o esclarecimento de um ponto particular da verdade.

5º) Antes que o significado da parábola, no campo espiritual, possa ser compreendido é necessário ter um quadro claro da situação na parábola, nos termos dos costumes orientais, peculiares de pensamento e expressão. As parábolas são vívidos quadros verbais que devem ser vistos, assim como foram faladas, a fim de que possam ser compreendidos.

6º) Em virtude do fato fundamental de que uma parábola é dada para ilustrar a verdade, e comumente uma verdade particular, doutrina alguma pode ser baseada em detalhes incidentais de uma parábola.

7º) A parábola, no seu todo ou em parte, deve ser interpretada nos termos da verdade que se deseja ensinar, como exposta em linguagem literal no contexto imediato e noutros lugares da Escritura”.

John Davis, no Dicionário da Bíblia, pág. 444, escreveu: “A interpretação das parábolas exige um estudo cuidadoso das circunstâncias em que foram proferidas e da doutrina, ou argumentos que elas tinham em vista”.

Para nossa melhor compreensão neste assunto, as palavras de A. Almeida, encontrada no livro Manual de Hermenêutica Sagrada, pág. 76, são oportunas:

“É princípio geral de interpretação que a nenhum texto se pode dar um sentido contrário ao ensinamento geral e claro das Escrituras, sobre o mesmo assunto. Os passos mais obscuros interpretam-se pelos mais claros; a linguagem simbólica ou metafórica se esclarece pelo ensino explícito do mesmo assunto em linguagem literal”.

É este relato uma Parábola?

Os estudiosos estão divididos neste assunto, uns acentuando como fato histórico e, outros, como parábola. Os adventistas consideram-na parábola e estão bem assessorados, desde que a maioria pensa desta maneira.

Bloomfield declarou com segurança: “Os melhores comentadores, tanto antigos como modernos, com razão consideram-na uma parábola”.

O Comentário Bíblico Adventista, vol. 5 – “Mateus a João”, referente Lucas 16:19, menciona o fato de que o antigo manuscrito (D) a chama de parábola.

“Muitos têm afirmado que este relato de Cristo não é uma parábola, pelo fato de Ele não ter mencionado como tal. Esta declaração é improcedente, desde que há outras parábolas aceitas como parábolas, sem que Jesus as mencionasse como pertencendo a este gênero literário (Lucas 15:8 e 11; 16:1)”.

A Parábola do Rico e Lázaro e sua interpretação

Esta parábola foi relatada apenas pelo evangelista Lucas, em seu Evangelho (Lucas 16:19-31).

Dentre as parábolas relatadas por Cristo, nenhuma tem sido tão mal interpretada e malcompreendida como a do Rico e Lázaro. Há muitos que a ela se apegam para provar uma doutrina contrária ao contexto geral da Bíblia – a imortalidade da alma.

Sendo que o ministério público de Jesus estava chegando ao seu término, Ele lançou, motivado pelo amor, os últimos apelos aos publicanos e pecadores para que todos aceitassem a salvação que lhes estava sendo oferecida.

Os escribas e fariseus O criticavam por sua atitude (Lucas 15:2). Nestas circunstâncias, Cristo relata uma série de parábolas, culminando com a do Rico e Lázaro. A primeira delas é a da ovelha perdida; segue-se a da moeda perdida; depois, a do Filho Pródigo; e, então, do administrador infiel.

O ponto culminante das três primeiras parábolas é o mesmo – a grande alegria pela recuperação do que se havia perdido.

Com o propósito de impressionar aquelas pessoas, o Mestre narra a parábola do mordomo infiel, cuja atitude astuciosa, fraudulenta e sagaz é condenada pelo Mestre. Mesmo reprovando o procedimento deste homem, dele Cristo tira uma útil lição. Jesus aprovou a sabedoria com que ele agiu, mas não o seu método. Cristo jamais aprovaria a desonestidade, pois, se chegássemos a esta conclusão, esta seria absurda, porque o objetivo da parábola não é este.

O objetivo da parábola é claro em Lucas 16:8 – “Até mesmo o ímpio toma providências para seu futuro terrestre; quanto mais importante é que o filho de Deus tome em conta a vida por vir. Os filhos do mundo são mais hábeis na sua própria geração do que os filhos da luz”.

Completando a lição dada pela parábola deste mordomo, Cristo lhes relata outra relacionada com a necessidade de se estar preparado para o dia da morte – esta é a do Rico e Lázaro. Ela foi dada por causa dos fariseus, que eram avarentos, e não faziam provisão para o futuro, isto é, para a vida eterna (Lucas 16:14). Pelo fato da vida deles se centralizar no dinheiro, Cristo queria mostrar-lhes o que acontece ao homem quando ele não se prepara para a vida eterna.

Jesus não estava discutindo o estado do homem na morte, nem tão pouco o tempo em que o galardão lhe seria dado. Ele apenas estava fazendo uma clara distinção entre esta vida e a próxima.

Pode uma Parábola ser, ao mesmo tempo, literal e figurada?

A resposta a esta pergunta é retirada do livro Questões de Doutrina, editado pelos adventistas. Do relato, merece destaque esta parte:

“Admitem todos que a história tem que ser fato literal, acontecimento real, ou é simples parábola. Não pode ser ambas as coisas. Se literal, tem de ser verdadeira e coerente em todos os pormenores. Se, porém, é parábola, então, só poderemos nela buscar a verdade moral, que se quer transmitir. E a história seria então sujeita às reconhecidas leis e limitações de uma parábola. Assim, tudo é compreensível. Como vemos, é nitidamente incoerente a aplicação literal, e cai ao peso de seu próprio absurdo. Cristo não está aqui revelando pormenores da vida além-túmulo. Antes emprega uma impressionante história daqueles tempos para advertir e reprovar os que recusavam aceitar Seus ensinos quanto ao carreto uso das riquezas” (Pág. 554).

Nesta parábola se encontra a figura literária denominada prosopopeia, por intermédio da qual damos ação, movimento, ou voz às coisas inanimadas, e que faz falar as pessoas ausentes, e até os mortos.

Se este relato fosse literal teríamos que admitir estes absurdos: se são almas desencarnadas, como explicar que têm dedos e língua? Se tinham dedos e língua, deviam também ter mãos e cabeça. Se falavam e ouviam, tinham os órgãos da fala e os auditivos. Se possuíam as partes do corpo, então não eram almas.

O relato declara que eles estavam na sepultura (v. 22). Logo, não podiam estar no céu e no inferno.

Se não eram almas e não eram corpos, se haviam morrido e foram sepultados e estavam conversando, só o poderiam fazer em alegoria, como as árvores de Juízes 9, onde lemos: “Foram uma vez as árvores a ungir para si um rei; e disseram…” (verso8).

Todos se convencem, diante deste relato, que há aqui uma figura, e não fatos reais.

Por que não aceitamos esta Parábola como uma descrição real?

As declarações bíblicas são bastante convincentes em nos mostrar que os mortos, quer justos, quer ímpios, descansam inconscientes na sepultura até o dia daressurreição. Destacam-se: Jó 14:12-15 e 20-21; 17:13; Salmos 6:5; 115:17; Eclesiastes 9:5-6; e Isaías 38:18.

Em Mateus 25:31-41, o próprio Cristo nos indica o tempo em que os justos serão recompensados e os ímpios castigados:

“E, quando o Filho do homem vier em Sua glória, Ele dirá aos que estiverem à Sua direita: ‘Vinde benditos de Meu Pai, possui por herança o reino…’, e, aos que estiverem à Sua esquerda: ‘Apartai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno’”.

A interpretação literal da parábola dá a recompensa ao rico e a Lázaro no dia da morte, porém, os declarações bíblicas são estas:

“Eis que cedo venho, e o Meu galardão está comigo, para dar a cada um segundo a sua obra” (Apocalipse 22:12).

“Recompensado te será na ressurreição dos justos” (Lucas 14:14).

Sendo uma alegoria, os personagens não podem ser reais, por isso cremos, que nem o rico nem Lázaro existiram. Se a declaração fosse real, nela não haveria ideias pagãs, conceitos da tradição talmúdica e metáforas judaicas.

A Bíblia não descreve um céu onde os justos são vistos pelos ímpios e nem um inferno de onde os perversos contemplam os justos e com eles mantêm conversação. No além não haverá lembranças das ações desta vida: “Não haverá lembranças das coisas passadas, nem mais se recordarão” (Isaías 65:17).

Que lições nos ensinam esta Parábola?

1ª) A primeira e grande lição que ela nos ensina é esta: nesta vida temos a única oportunidade de preparar-nos para a vida do além.

O ensino bíblico é de uma clareza meridiana em nos esclarecer de que não haverá segunda oportunidade para ninguém após a morte. Quando esta vier, tudo estará definido. Ninguém poderá passar para o outro lado. É nesta vida que formamos o caráter que nos qualificará para a vida por vir.

O comentarista Plummer declara:

“Não há na parábola o propósito de dar informações acerca do mundo invisível. Nela é mantida a ideia geral de que a glória e miséria depois da morte são determinadas pelo procedimento do homem antes da morte”.

2ª) A segunda destacada lição pode ser assim sintetizada: os judeus criam ser a riqueza um sinal da bênção de Deus, e, pobreza, indício do Seu desagrado. Cristo lhes mostrou que este conceito era errado. A Bíblia nos ensina que os ricos têm a obrigação de gastar o seu dinheiro não de acordo com os ditames de sua consciência, mas de conformidade com o desprendimento ensinado por Cristo. A parábola ensina a lição: os ricos avarentos não herdarão a vida eterna.

Cumpre ter bem em mente que o rico da parábola não foi condenado por ser rico, mas por ser egoísta. O mendigo também não foi salvo por ser pobre ou por causa dos seus sofrimentos.

3ª) A parábola não visa revelar-nos o que acontece após a morte, mas enfatizar mais uma vez que as revelações dadas por Deus na Sua Palavra são suficientes para nos conduzir à salvação. Quando o rico pediu que Lázaro fosse enviado à Terra para advertir outros acerca do inferno, Abraão lhe respondeu: “Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos”. O relato prossegue: “Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tão pouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (Lucas 16:29 e 31).

Cristo, com esta declaração, estabeleceu uma dupla salvaguarda:

a) Moisés e os Profetas seriam os guias seguros para os vivos, concernentes ao seu destino, após a morte.

b) Ensinou-nos, ainda, que a única maneira de alguém voltar dentre os mortos é através da ressurreição.

Antes de concluir este comentário, não seria demais lembrar uma declaração unânime de teólogos e comentaristas: jamais poderemos alicerçar doutrinas bíblicas numa parábola ou alegoria.

Conclusão

Dentre os princípios de interpretação da Bíblia, o mais preeminente é este: é necessário permitir que a Escritura explique a Escritura, ou, expressando-nos de outra maneira, é preciso deixar que a Bíblia interprete a si mesma. Observando este princípio, muitas explicações erradas seriam evitadas e problemas bíblicos aparentemente insolúveis seriam superados. Este princípio foi a mola propulsora que nos guiou neste estudo exegético.

Esta parábola não pode contradizer os claros ensinos das Sagradas Escrituras concernentes ao castigo final e à destruição dos ímpios.

Outra verdade que não deve ser esquecida é esta: a Bíblia declara que todos teremos de enfrentar um juízo final, quando o nosso futuro não poderá ser alterado.

Agora é o tempo em que devemos assegurar a nossa salvação.

Livro: Leia e Compreenda Melhor a Bíblia, de Pedro Apolinário.

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