segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Afinal, Enoque e Elias subiram ou não para o Céu? Como Conciliar este fato com João 3:13?


Em João 3:13, Jesus disse: “Ninguém subiu ao Céu, senão Aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do homem [que está no Céu]“. Afinal, Enoque e Elias subiram ou não para o Céu? Em caso afirmativo, como conciliar com o que Jesus disse? E como entender que Ele tenha também dito “que está no Céu”, se quando disse isso estava conversando com Nicodemos?


É claro que Enoque e Elias subiram para o Céu, pois a Bíblia assim o diz (Gn 5:22-24; 2Rs 2:1,11; Hb 11:5). O que Jesus disse não contradiz a informação bíblica. João 3:13 precisa ser entendido dentro de seu próprio contexto, e não no contexto das passagens acima.


Segundo João 3:11-13, Jesus fala de coisas celestiais com a familiaridade e naturalidade próprias de alguém que desceu do Céu, mas, de alguma forma, sem deixar de estar lá. Quando Ele diz que “ninguém subiu… senão Aquele que desceu”, não alude à Sua ascensão (fato que ocorreria só mais tarde), pois, com efeito, nessa hora Ele conversava com Nicodemos.


Assim, o assunto não é o evento histórico da ascensão, mas o papel revelacional de Deus que o Filho cumpre em Seu ministério terrestre. Cristo pode falar de “coisas celestiais” (v. 12) porque sabe o que estas coisas são e as tem visto (v. 11). Ele é o único que “subiu ao Céu”, isto é, que penetrou o conhecimento dessas coisas; e que “desceu do Céu”, isto é, que entrou em comunhão conosco pela encarnação, para nos trazer o conhecimento dessas coisas.


Céu aqui, diferente do que é quanto à ascensão de Enoque e Elias, tem sentido espiritual e não local nem geográfico; indica a única posição da qual pode ser auferido o conhecimento completo e verdadeiro sobre Deus, trazido e comunicado. O que Jesus estava afirmando a Nicodemos era que ninguém tem entrado em comunhão com Deus e possui, procedente desta comunhão, um conhecimento intuitivo de coisas divinas a fim de revelá-las aos outros, exceto Aquele a quem o Céu foi aberto.


Céu, portanto, indicaria a igualdade do Filho com o Pai, da qual Ele desceu por meio da encarnação (cf. Fl 2:6-8), mas que ainda reteve enquanto estava na Terra (Jo 5:18). O paralelismo com 1:18 parece óbvio:






Isaías 14:12, 13 é um provável background veterotestamentário para João 3:13. Nesse texto, é declarada a ambição do “filho da alva” (Lúcifer) de ascender ao Céu e ser “semelhante ao Altíssimo”. Todavia, ele não o conseguiu; ficou apenas na pretensão e na vontade. Mas o que ele cobiçou já pertencia a Cristo.


Entendemos que essa pretensão foi alimentada pelo querubim antes de sua expulsão do Céu. Em outras palavras, ele estava num local que se chama Céu, todavia pretendendo subir ao Céu. A conclusão lógica é que, nesse texto, subir ao Céu significa participar da igualdade com Deus, ser igual a Ele. Mas aquilo que para Lúcifer foi pretensão, para Cristo é natural participação. “Ninguém subiu ao Céu” senão Ele.


É verdade que poucos manuscritos contêm a afirmação de 13c, “que está no Céu” (é por isso que aparece entre colchetes). Mas é possível que sua omissão num bom número de documentos, bem como a alteração para “que estava no Céu” em algumas versões antigas, foram feitas para remover uma dificuldade óbvia. Sua originalidade é coerente com o que se observa no Evangelho de João, segundo o qual, o Filho permanecia junto ao Pai mesmo quando estava na Terra. Ademais, o verbo estar é empregado no presente do indicativo em outras passagens numa conotação semelhante à de 3:13 e 1:18:


• 7:34 – “Haveis de procurar-Me, e não Me achareis; também onde Eu estou vós não podeis ir” (ver também o v. 36).


• 11:26 – “Onde Eu estou ali estará também o Meu servo.”


• 14:3 – “Voltarei e vos receberei para Mim mesmo para que onde Eu estou estejais vós também.”


• 14:11 – “Eu estou no Pai” (com o verbo subentendido).


• 17:24 – “Pai, a Minha vontade é que onde Eu estou, estejam também comigo os que Me deste.”


Estes exemplos do emprego de “Eu estou” apontam para a realidade da íntima e perfeita comunhão do Filho com o Pai, a qual não foi alterada pela encarnação: o Filho enquanto esteve na Terra continuou sendo um com o Pai (“Eu e o Pai somos [não éramos, ou seremos] um”, 10:30).


Por José Carlos Ramos, professor de Teologia jubilado. Publicado na RA de Jul/2010.
Via Sétimo Dia

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